GOVERNO EDITA MP QUE MODIFICA AS REGRAS APLICÁVEIS À TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS AUFERIDOS NO EXTERIOR POR PESSOAS FÍSICAS RESIDENTES NO BRASIL
Autores: Roberto Duque Estrada, Gabriel Bez-Batti e Lis Aguileira
No dia 30.04.2023, o Governo Federal editou a Medida Provisória (MP) 1.171/23, que, entre outras inovações, modificou as regras aplicáveis à tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior.
Nos termos da referida MP, a partir de 01.01.2024, os “rendimentos do capital aplicado no exterior, nas modalidades de aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas e bens e direitos objeto de trust”, serão tributados no Brasil por alíquotas progressivas que variam de 15% (quinze por cento) a 22,5% (vinte e dois e meio por cento).
Abaixo, traremos nossas considerações sobre os principais pontos da MP 1.171/23.
Aplicações financeiras
De acordo com a MP 1.171/23, os rendimentos auferidos a partir de 1º de janeiro de 2024 em aplicações financeiras no exterior pelas pessoas físicas residentes no País serão tributados sob as alíquotas de 15% a 22,5%, a depender do valor desses rendimentos.
Entidades controladas por pessoa física no exterior
De acordo com a nova MP, os lucros auferidos pelas pessoas físicas no Brasil, por intermédio de pessoas jurídicas no exterior (incluindo fundos de investimento e fundações) sobre as quais detenham o controle, deverão ser tributados no Brasil até o dia 31 de dezembro de cada ano, ainda que o referido lucro não tenha sido distribuído.
O controle estará configurado quando a pessoa física detiver: a) direta ou indiretamente, direitos de eleger a maioria dos administradores ou que lhe assegurem preponderância nas deliberações sociais; b) mais de 50% (cinquenta por cento) de participação no capital social da investida, direta ou indiretamente, isoladamente ou em conjunto com pessoas vinculadas.
A relação de vinculação existirá, por exemplo, nas situações de parentesco, caso o percentual de 50% (cinquenta por cento) de detenção da entidade estrangeira for exercido pela pessoa física em conjunto com o seu cônjuge ou outros parentes; também em situações em que a pessoa física é sócia de outra sociedade que investe na sociedade localizada no exterior e ambas, em conjunto, detêm mais de 50% (cinquenta por cento) na sua participação (sociedade no exterior).
Além disso, a tributação somente incidirá sobre os lucros auferidos pelas entidades controladas que se enquadrarem nas seguintes hipóteses: a) estejam localizadas em país ou dependência com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado; ou b) apurem renda ativa própria inferior a 80% (oitenta por cento) da renda total.
As alíquotas aplicáveis, conforme exposto nos tópicos anteriores, serão de:
- 15% (quinze por cento) sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder a R$ 6.000,00 (seis mil reais) e não ultrapassar R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais);
- 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela anual dos rendimentos que ultrapassar R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
A MP 1.171 dispõe que a tributação automática das pessoas físicas ocorrerá de forma individualizada — tal como ocorre no regime das pessoas jurídicas previsto na Lei 12.973/14. Ao contrário das regras previstas para as pessoas jurídicas, porém, as entidades controladas (direta e indiretamente) pelas pessoas físicas não poderão consolidar os seus resultados no exterior, o que resulta em clara afronta ao princípio da renda líquida estabelecido no inciso III do art. 153 da CF e no art. 43 do CTN.
De fato, caso uma das controladas indiretas apurar prejuízo, o resultado na relação final de controle poderá até ser negativo.
Não está claro se o lucro tributável no Brasil deverá ser apurado de acordo com as regras contábeis do País ou da sociedade estrangeira. Apesar de os países em geral (inclusive o Brasil) utilizarem as regras IFRS para a apuração do seu lucro, tal método somente é utilizado para a apuração do balanço consolidado, e não individual. Assim, poderá haver conflito entre o local GAAP e as regras aplicadas no Brasil.
Além disso, a MP dispõe que na determinação do imposto de renda devido, a pessoa física poderá deduzir o imposto sobre a renda pago no exterior pela controlada e suas investidas, até o limite do imposto devido no País. Entendemos que tal dedução se refere ao imposto corporativo pago no exterior, além do imposto de renda na fonte incidente sobre eventual distribuição dos dividendos.
A MP estabelece, ainda, que os lucros apurados até 31 de dezembro de 2023 somente serão objeto de tributação no Brasil no momento da efetiva disponibilização para a pessoa física residente no País.
Por fim, a MP dispõe que a variação cambial dos valores aportados será tributada como ganho de capital quando da alienação, da baixa ou da liquidação do investimento, inclusive por meio de devolução de capital. Nesse caso, a MP esclarece que a referida tributação se dará por meio da sistemática do ganho de capital — e não carnê-leão —, ao contrário da posição adotada pela Receita Federal em manifestações recentes, como a SC Cosit 678/2017 (Rerct).
Nossa opinião
Na nossa opinião, a tributação automática dos lucros auferidos pelas pessoas físicas no exterior viola a regra ao inciso III do art. 153 da CF e ao art. 43 do CTN, tendo em vista que a pessoa física no Brasil não tem disponibilidade do resultado apurado pela entidade estrangeira, enquanto não ocorrer a sua distribuição.
Tal inconstitucionalidade diz respeito à regra que autoriza a tributação automática dos lucros apurados por entidade cuja composição da renda total for maior que 20% (vinte por cento) de renda passiva. O STF, na ADI 2.588, firmou entendimento de que a disponibilidade do lucro somente ocorreria nas situações em que a entidade estivesse localizada em país ou dependência com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado (sem tratar das hipóteses em que a entidade, na sua maioria, apura renda passiva).
A referida regra, na prática, abrange empresas operacionais, que estarão subsumidas à regra apenas porque boa parte dos seus rendimentos constitui renda passiva.
Além disso, conforme exposto anteriormente, é inconstitucional a tributação individualizada dos lucros apurados por controladas indiretas, pois a renda final do grupo econômico é composta pelos resultados positivos e negativos das entidades que compõem a relação de controle, e não de forma individualizada.
Por fim, entendemos que o art. 7º dos acordos de bitributação assinados pelo Brasil impede a tributação automática dos lucros auferidos por entidades estrangeiras, conforme reconhecido pelo STJ no leading case REsp n. 1.325.709 (que está sob os nossos cuidados).
A aplicação desse dispositivo resta ainda mais fortalecida nos casos em que o controlador é pessoa física residente no Brasil, já que apenas as pessoas jurídicas podem refletir resultado de equivalência patrimonial.
Destaca-se que os contribuintes possuem argumento adicional para impedir a tributação nos casos em que os acordos de bitributação preveem regras de isenção de dividendos (art. 10 c/c 23), como ocorre com a Áustria (em negociação), Equador, Espanha e Índia.
Trusts
A nova legislação introduziu, pela primeira vez, as diretrizes para o tratamento tributário dos trusts estrangeiros no Brasil.
De acordo com essa norma, os bens e direitos pertencentes ao trust serão considerados de propriedade do seu instituidor e somente serão transmitidos aos beneficiários quando da sua distribuição e/ou no caso de falecimento do instituidor.
É importante ressaltar que essa transferência aos beneficiários do trust será tratada como realizada a título gratuito, configurando doação ou herança a depender do momento em que os ativos são transmitidos (art. 7º, §3º).
Enquanto essa transferência não ocorrer, os rendimentos e ganhos de capital relacionados aos bens e direitos do trust serão considerados como obtidos pelo próprio instituidor (art. 7º, §1º).
Portanto, a MP considera os trusts como uma instrumentos transparentes para fins tributários, tanto assim que:
(i) se o trust possuir uma empresa controlada no exterior, essa participação será considerada como se fosse diretamente detida pelo titular dos bens e direitos do trust, estando sujeita às regras de tributação de investimentos em controladas no exterior estabelecidas pela própria MP (art. 7º, §2º); e
(ii) os bens e direitos objeto do trust devem ser declarados diretamente pelo titular na Declaração de Ajuste Anual (DAA), considerando o custo de aquisição (art. 8º).
Outras disposições
A MP revogou determinadas isenções, como aquelas aplicáveis aos ganhos de capital para ativos adquiridos no exterior por não residentes e ao ganho de variação cambial em relação aos ativos adquiridos originariamente em moeda estrangeira.
Com efeito, pessoas físicas que possuíam residência fiscal em outros países e, nessa condição, adquiriam ativos no exterior, eram isentas do pagamento de imposto de renda no Brasil caso alienassem os referidos bens na condição de residente fiscal no País.
A nova MP revoga essa isenção, mas tal medida somente valerá a partir de 2024, por conta do princípio da anterioridade.
Destaca-se, ainda, que a nova legislação autorizou as pessoas físicas brasileiras a atualizarem o valor dos bens e direitos detidos no exterior, mediante a tributação da diferença entre o seu custo histórico e o respectivo valor de mercado em 31.12.2022 pelo IRPF, aplicando-se a alíquota definitiva de 10% (dez por cento). Essa atualização deve ocorrer até 31.05.2023, com pagamento do imposto até 30.11.2023.
Especificamente no caso de controladas no exterior, a pessoa física que tiver optado pela atualização até 31.12.2022 (na forma descrita acima) também poderá optar pela atualização do valor de mercado em 31.12.2023, com pagamento do IRPF pela alíquota definitiva de 10% até 31.05.2024.
A Medida Provisória em questão será apreciada pelo Congresso Nacional, que poderá convertê-la em lei ou rejeitá-la no prazo de 60 (sessenta) dias, prorrogável por igual período.